quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Décimo Quarto texto

MULHER DE SAPATO DE SALTO ALTO É UM PERIGO



Algumas coisas a gente deve ter a decência de não contar.Mas o caso é que eu nunca me conformei com uma situação deveras vexatória que eu passei por causa de um sapato de salto alto.
Eu tenho uma sobrinha que mora numa favela na periferia de Belo Horizonte-vou poupar todo mundo dos detalhes e irei direto ao sapato alto.Num belo dia estava eu visitando essa tal sobrinha quando ela me chamou para ir a uma festa que haveria na creche da sua filha mais nova.”Coisa rápida” disse ela.O embaixador de não sei aonde vai inaugurar um berçário novo.Eu fui.Não tinha nada para fazer mesmo.Fui.
Eu nunca tinha visto, assim ao vivo, tanta gente de terno e tanta mulher bonita e bem arrumada como naquele dia.Fiquei por ali mais admirando as pessoas, suas roupas, penteados do que prestando atenção no que acontecia, estávamos todos no pátio da creche.Admirei demais uma mulher linda e ricamente perfumada que toda séria acompanhava um senhor muito bem vestido e sorridente.Minha sobrinha viu meu interesse e falou baixinho no meu ouvido “Mulher do embaixador” “Aah!”.Exclamei e continuei admirando.E depois de um tempo foi ficando muito aglomerado e houve até empurra-empurra.Eu procurei ficar perto daquela mulher o mais próximo que me deixavam.Discurso dali, discurso daqui, tivemos que andar todos para entrar na creche.E foi aí que tudo começou.Ao andarmos todos muito grudados uns nos outros não vemos por onde andamos e eu fui o primeiro a perceber o embaraço da mulher bonita.O salto do sapato dela, muito fino, entrou na grelha do ralo que havia no piso.Eu percebi e quis ajudar.Abaixei e tentei puxar o pé da mulher.Mas estava mesmo agarrado, então eu pus mais força.Exagerei na força, levantei demais o pé da mulher .Ela desequilibrou e caiu bem por cima da minha cabeça.Nisso alguém, um dos homens de terno, tentava ajudar a mulher a se levantar .Mas parece que ela desmaiara ou sei lá o que aconteceu.Eu só estava sentindo o peso dela em cima de mim e o alvoroço de um monte de gente gritando.Por fim retiraram a mulher das minhas costas e aí começou o meu calvário.Dois homens me levantaram já dando porrada em mim por todo lado.Minhas mãos para trás, algemas, pontapés, tapas na orelha, empurrão e eu só gritava “foi o sapato dela!” Mais bolacha, “eu fui tirar o salto dela” mais porrada e empurrão.Enfiaram-me no camburão e ainda ouvi de longe uma mulher falando bem alto “acho que ele queria pegar a bolsa dela”.Desesperei.Chorei no camburão.Porque que eu fui me meter a por a mão naquele maldito sapato.O que que eu tinha de tentar ajudar a desenroscar aquela merda de salto.Não sei com que rapidez ,chegamos à delegacia, mais empurrão, bolachas e pé na bunda.Aí o delegado: ”O Senhor estava tentando roubar a bolsa da senhora, ô cafajeste?” Não adiantou explicar que eu estava tentando ajudar a mulher a tirar o salto do sapato dela que ficara enganchado.’Ah, quer dizer que o senhor, no meio daquela multidão, viu o salto do sapato da mulher ficar preso e abaixou-se,todo cavalheiro, para ajudar a retirá-lo?”Ele falou com tanto sarcasmo, num tom de voz tão provocativo e zombeteiro que até eu comecei a duvidar de mim”.Sem muita convicção eu disse a verdade:“é!”.Não adiantou, foi xingamento, mais tabefes, xadrez por três dias até aparecer um advogado da PUC que a minha sobrinha arranjou e me tirou daquele inferno.Estou processado por tentativa de furto.Com o meu orgulho aos pedaços por causa daquele maldito sapato de salto alto.Hoje quando vejo uma mulher se aproximar de mim, de salto alto, eu entro em pânico.Começo a suar frio.Eu odeio mulher de sapato alto.