terça-feira, 22 de junho de 2010

Texto Vigésimo primeiro

O Pequeno Alemão




“o homem tem de ter algo, a que possa obedecer incondicionalmente”
F. Nietzsche.


O que está escrito aí, tio?
_Que a nossa gloriosa Alemanha está toda arrasada. Mataram todo mundo,destruíram tudo e eles não vão ter comida nem dinheiro para nada e que nos somos a última esperança deles.Temos de trabalhar que nem burros, fazer a vida por aqui mesmo, e se deus quiser mandar tudo que a gente puder para eles pagarem para reconstruir o que a guerra destruiu.
Pode ser, pensei, outro dia ouvira baixinho no rádio, escondido com meu tio lá no quartinho dos fundos, um homem falando que nem louco:
_ _ “SEIT ICH 1914 ALS FREIWILLIGER MEINE BESCHEIDENE KRAFT IM ERSTEN, DEM REICH AUFGEZVUNGENEN WELTKRIEG EINSETZTE, SIND NUNZEHR ÜBER DREISSIG JAHRE VERGANGEN. IN DIESEN DREI JAHRZEHNTEN HABEN MICH BEI ALL MEINEM DENKEN, HANDELN UND LEBEN NUR DIE LIEBE UND TREUE ZU MEINEM VOLK BEZEGT. SIE GABEN MIR DIE KRAFT, SCHWERSTE ENTSCHLÜSSE ZU FASSEN, WIE SIE BISHER NOCH KEINEM STERBLICHEN GESTELLT WORDEN SIND. ICH HABE MEINE ZEIT, MEINE ARBEITSKRAFT UND MEINE GESUNDHEIT IN DIESEN DREI JAHRZEHNTEN VERBRAUCHT” **.
O homem falava de um jeito que parecia desesperado,fiquei com pena dele.Como alguém podia ser tão malvado para fazer uma coisa dessas com a Alemanha do meu tio?
É alemão-- informara ao ver meus olhos arregalados.
Agora a expressão dele era de profunda tristeza. Ele falou tudo isso sem tirar os olhos da carta.Mas o que me impressionou demais é que ele estava com voz e cara de choro.Um homem daquele tamanho!Fiquei muito impressionado, acho que estava também com um pouco de vergonha porque a família dele, aqueles parentes lá da Alemanha, estavam tão pobres que precisavam pedir dinheiro para ele. Que humilhação!
_Temos que ajudar! É nossa obrigação ajudar os parentes quando eles precisam da gente.
Acho que ele estava falando mentira, porque eu já escutara a avó dizendo muitas vezes que nos estávamos passando necessidade e nunca ouvi ninguém falar da ajuda de nenhum parente. Ele dobrou a carta bem devagarinho e colocou no bolso da camisa.Além de tudo eu estava decepcionado: Todo mundo só falara bem daquele país maravilhoso, cheio de parentes ricos e agora vinham pedir dinheiro que fazia até o meu tio-o homem mais durão que eu conhecia-chorar e ficar com aquela cara de bobo, que nem eu quando apanhava uns tabefes da avó ou do pai.
Nós estávamos na sala, o meu tio saiu e foi andando reto e olhando para o chão. Parece até que os braços dele estavam mais compridos.Nem fechou a porta, se a avó visse ia xingar ele.
Ia escurecendo e parece que tudo ficou meio triste, como quando tem alguém doente em casa. Tomei uma decisão naquele instante: Hei de ajudar o meu tio, e o meu pai, a ganhar muito dinheiro, muito mesmo que até sobrasse para mandar para os parentes de tudo que era lugar.
_Em quê está pensando o menino?Era minha avó entrando na sala. Suspirei e disse que em nada.Não se deve deixar as mulheres se meterem nesses assuntos importantes.É o que o meu tio pensaria!
Eu tinha dez anos. A segunda guerra mundial acabara de acabar.
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__Tio, porque o senhor vai com as putas?Ela me perguntou muito tempo depois que saí da prisão.
__ Olha,tenho 55 anos, fazendo bem as contas e seguindo o que as estatísticas dizem--se não morrer de acidente burro, desses que a gente mesmo provoca por excesso de alcool, alegria ou de pesar--devo viver até os 65 o que me dá 10 anos mais. Considerando que o ano tem 54 semanas no total terei 520 teóricas semanas de vida.
No atual estágio da minha existência, e, considerando o meu desempenho sexual corriqueiro, hei de dar, em média, uma trepada por semana o que perfaz a tenebrosa conclusão que só terei, na melhor das hipóteses, 520 orgasmos antes de morrer.Essa verdadeira sentença de desprazer me deixa deprimido, desalentado e mesmo, com raiva e ciúme do mundo.Veja, garota, que não falo de amor.
O meu fantástico senso de sobrevivência -- que muito sabiamente o nosso equipamento biológico desenvolveu-- reagiu e me fez carecer os critérios de uma boa trepada. (creio que você e muitas outras pessoas vão considerar que esta palavra não é nada adequada, todavia quem já está com as fodas contadas não tem mesmo pejo de falar as coisas como elas são. Portanto, trepadas, sim. Outros diriam “fazer amor” ou ter “relações sexuais” ou manter “intercurso sexual”, o caralho! Eufemismos verborrágicos).Estou morrendo e o ressentimento me autoriza destilar minhas dores.Gastei meus amores e minhas possibilidades de entender as mulheres amorosas.
Dou conselhos para as fêmeas:
Macho—não os machões que estes são doidos que disfarçam a própria loucura—quer da mulher anuência, consentimento, docilidade e participação. Quer que ela goze sem que ele tenha que fazer malabarismos de circo. Não se pode esquecer que o homem tem de fazer algo NA mulher para gozar.Essa é sua preocupação vital...estou falando asneiras.
Não sei dar conselhos!
55anos de vida e não aprendi nada que faça alguém viver melhor. Poderia dizer o peso da terra, o cálculo da integral e da derivada! Mas não consegui distinguir olhares de amor nem perceber as delícias que amores antigos soem proporcionar. Deveria existir um curso para se aprender o que de fato interessa aos indivíduos.Parece que tudo que eu aprendi serve somente a um propósito fora de mim.Como não sei pedir sexo,compro.

_Tio, mas e o amor? Insistiu a garota.
O amor passou pela minha vida como um tufão, deixou tudo em pedaços, enquanto durou foi uma vertigem alucinada. Uma doença maligna que fazia meu coração estremecer como uma cristaleira em dia de terremoto.O meu afeto foi como uma gigantesca inundação, que ultrapassando todas as medidas, acabou por afogar tudo.Hoje me sinto como um deserto: Durante o dia ,seco e árido;durante a noite , escuro e gelado.E é tudo mentira,não senti nada disso,mas é bom falar assim,as dores passam a ter algum sentido.
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Todo homem tem que ter inimigos. Como aceitar certas diferenças e certas condutas.Alguém há tão diferente que possa vir a ser ameaçador para mim e despertar meus tigres internos na postura de autodefesa.Eis a razão.Por isso não temo o ter inimigos.A violência dorme em mim ,como em todos nós, e em sabendo posso conviver com ela e dominá-la para servir aos meus propósitos.Não gosto de sofrer por raiva. É idiota e altamente desgastante. A mentira, também, cumpre seu papel de proteger de certas dores inescusáveis. Todos sabem disso. Não devemos dizer tudo. No entanto somos todos educados de forma paradoxal, não devemos fazer isso, não devemos mentir, nem ter inimigos, mas como viver então de forma certa? Como apertar os botões das condutas corretas para que a vida seja uma sinfonia e não uma algazarra sem sentido?Quem sabe tocar essa música?
Quando conheci, muito tempo depois daquela carta, que o meu tio não sabia ler alemão fiquei lívido de espanto. Como se um dos grandes fundamentos de minha vida houvesse desaparecido numa bruma de horror.Eu gostava dele de uma forma reverencial e não cabia a possibilidade de uma mentira naquele assunto.Desnecessária.Nada havia de parentes carentes, a carta nem era da Alemanha.Por quê aquilo?Que maldita inspiração o levou a gravar uma marca daquelas em mim?
Discutimos. Brigamos.Ele me bateu.Virou meu inimigo.Matei-o a pauladas.Uma pena, eu gostava dele.Mas, não se deve mentir a crianças!